Sem terras do Prata
Levantei-me às 5h14mim, fiz um café quentinho e corri ao caixa eletrônico para tentar salvar as contas. A preocupação é tanta que só notei que não havia penteado o cabelo quando vi minha horrenda imagem refletida no vidro do banco. Voltei pra casa mais aliviado dos débitos e imediatamente fui para o chuveiro.
O banheiro fechado, a água quentinha, a toalha limpa, o shampoo, o sabonete... Quanto me falta para ser completamente feliz?
Em minha viajem no domingo último visitei um grupo de brasileiros sem terra que subsistem ao longo da BR156 nas imediações do Prata. Fui recebido pelo simpático e lutador Senhor Luiz Andrade e também por Ad Junior um pequeno menino de apenas um ano. Sinto orgulho dessa gente brasileira que mesmo a duras penas luta pelo seu sonho de conquistar um naco de terra do imenso território brasileiro para produzir e contribuir contra a fome da Nação.
A terra desejada por essa gente que lá esta, tem a dimensão de 400 alqueires mineiros, leia-se, 800 alqueires paulistas e foi considerada na época improdutiva pelo Incra. Imediatamente foi montado um acampamento e por lá começou uma longa e árdua batalha. O DNIT exigiu a desocupação em 48 horas, porém em audiência publica realizado em Uberlândia, um desembargador entendeu como arbitraria a decisão do Órgão e garantiu a permanência dos requerentes da terra.
Imediatamente começaram os “arranjos” para que a terra não fosse entregue a quem a desejasse faze-la produtiva. O dono da propriedade vendeu-a a Cutrale, que mais rápido ainda, dia e noite e aos sábados e domingos começou a plantar na terra antes abandonada para torná-la ocupada. Hoje quase 90 famílias pleiteiam esse espaço e resistem para conquistar seu desejo de plantar o que já o fazem no minúsculo espaço que ocupam. Pude ver hortaliças vicejando com vontade do lado das casas de plástico. Essa gente é motivo de orgulho. O nosso lixo é para eles um luxo e o aproveitamento é total! Mesmo chamados de bandidos, sucateiros, vagabundos, ostentam um orgulho e uma dignidade na luta por seu ideal.
São brasileiros como o senhor Antônio Rodrigues Souza, sua companheira Ana Alice Alves da Silva e pequena Ana Luiza, de apenas dois anos, que criam gado no local para fornecer o leite a R$0,50 o litro para os seus iguais; O senhor João Souza dos Santos com sua esposa Maria Francisca de Jesus e o simpático cachorro pé - de - pano, criadores de suínos que nos encantam com sua hospitalidade e educação. Marli e Elizangela fabricantes de tapetes de crochê que sonham montar uma feira para vender seus produtos. Conversei com Laurindo, com Vicente Paz, com Norma, com Alcione, com vários Luiz e com o poeta Tio Ne que recitou-me poesias de sua autoria. Jamais vou me esquecer de Silvana Rodrigues da Silva, “a Ciça”, que adentrou a barraca de plástico e de lá saiu trazendo-nos um copo de café coado na hora e fartos e generosos pedaços de bolo de fubá. Silvana é evangélica e acredita que: “o diabo age em surdina orientando os gananciosos a quererem cada vez mais e manipula os egoístas para que oprimam os pobres”... “havia uma represa, ali depois da cerca, tinha água boa e até peixes... Mas, eles mandaram esvaziar para que a gente não usufruísse...” “eu acredito que o diabo age nos machões para que eles matem os gays e percam a sua alma para o inferno...”. Estou encantado com Ciça, ela vive, acredita e exerce a sua fé. Tomo do café e engulo o bolo com prazer... Não posso ficar alheio à proximidade que há entre o poço e a fossa! Ora... que o diabo fique no inferno! Sou gente como essa gente. Não há diferença entre o querer e o sonhar.
Volto para desligar o chuveiro depois dessa viajem de lembranças, ao meu conforto. O dia já amanheceu e um vento frio sopra na minha janela e pergunto-me: Como será que esta aquela gente que vive à margem da BR156 agora?
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